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Trilema

  • Marcos Nicolini
  • Dec 20, 2016
  • 5 min read

RODRIK, Dani; O Paradoxo da Globalização

Até a década de 1970 a ordem global se dava a partir dos Estado-nação, fundado na ideia de uma soberania nacional e o exercício do poder em um território, sobre um população, a partir de leis e normas nacionais, garantidos por aparatos policiais e dados estatísticos e de

controle. À direita e à esquerda o Estado-nação fincava o ordenamento.


O Estado-nação restringia os fluxos migratórios, enquanto determinava homogeneidade no interior das fronteiras nacionais. Um poder central e homogeneizante, que regulava as relações na sociedade.


No entanto, o Estado-nação fora uma invenção de séculos anteriores, com Bodin e Hobbes, além de Maquiavel, seus patronos. Seu ápice foram a colonização de países estrangeiros, principalmente africanos, a Primeira e Segunda Guerras, além das Revoluções russa, chinesa, sudeste asiático, caribenhas, etc.


Com o fim da Segunda Guerra, o Estado-nação entrou em declínio, com o comércio internacional e a globalização. O fechamento deste modelo se deu por volta da década de 1980, principalmente com a queda do muro de Berlin e o fim do regime soviético e o fim das ditaduras latino-americanas. O Estado-nação foi enfrentado pela democracia e pela globalização econômica.


A democracia expande enquanto o Estado-nação se vê confrontado pelos fluxos internacionais, de capitais, pessoas, culturas e riscos. A democracia encontra maior fertilidade em sociedades plurais e não homogêneas, nas quais grupos culturais diversos demandam reconhecimento de interesses. Concomitantemente, a democracia permite que demandas por empregos, renda, segurança e qualidade de vida confrontem os movimentos da globalização, os quais visam a redução de custo e maximização da rentabilidade do capital, transferindo emprego para regiões em que a renda do trabalhador é menor.


Enquanto a democracia permite o reconhecimento de demandas privadas e o ajuste destas num quadro de pluralismo social, a globalização faz mover renda e qualidade de vida, aumentando o risco do trabalho, e o Estado-nação volta-se para a criação de instituições fortes, com o poder centralizado. Desta maneira, deparamo-nos com as três forças que se articulam em nossa contemporaneidade: Democracia, Estado-nação e Globalização.


Para Dani Rodrik vivemos, atualmente, um trilema, pois não encontramos um modo de conviver com os três regimes concomitantemente. Ou optamos por um arranjo que privilegia o Estado-nação com globalização, termos um regime do tipo chinês, sem liberdades políticas e anti-democrático; caso privilegiemos o Estado-nação com democracia, teremos um populismo e a primazia de políticas anti-liberais, como nos governos Dilma, Maduro e Kirchner; caso privilegiemos a Globalização com democracia, o desmantelamento institucional anárquico. Por outro lado, segundo este autor, não encontramos uma forma de liberar o fluxo de capitais, com instituições nacionais fortes e garantir renda e bem estar, simultaneamente.


O questionamento do Estado-nacional e certa crise das instituições locais, que, de um lado, corresponde às demandas de sociedades plurais e heterogêneas, mas que de outro coloca em risco as demandas por renda e qualidade de vida, tem se voltado, hora contra a democracia e hora contra a globalização. Takis Pappas, em “Distinguindo os desafios das democracias liberais”, nos fala em três confrontos. As democracias liberais têm sido confrontadas com três desafios, advindo dos antidemocratas, dos populistas e dos nativistas.


Os antidemocratas, à direita e à esquerda, questionam a representação política, a participação popular nas decisões nacionais e as fragilidades do modelo democrático diante dos extremistas, principalmente ao se fundar na liberdade de consciência e expressão. Os antidemocratas entendem que as decisões devem ser tomadas por elites econômicas, políticas, culturais, etc., e que os leigos devem ser afastados desta esfera, ou, no máximo, ver suas opiniões serem colocadas indiretamente. Em outros termos, o poder soberano deve ser retomado a partir do poder aristocrático (o poder dos melhores).


Os nativistas, por sua vez, entendem que os interesses nacionais devem ser alcançados a partir de maior restrição ao fluxo de pessoas e, quando preciso, de capitais, nas fronteiras nacionais. Os nacionalistas não concordam necessariamente com os antidemocratas no que tange às restrições políticas, ou, a certa hegemonia das elites na tomada de decisões políticas, antes, apontam para instituições fortes, poder central e participação dos nativos nas decisões. O que apontam é para o fechamento das fronteiras e o retorno a uma sociedade mais homogênea.


Por sua vez, os populistas, segundo este autor, são aqueles cuja prática é democrática, isto é, buscam apoio popular, mas são anti-liberais, ou seja, forte tendência voluntarista e desprezo pelas instituições de Estado, assim como forte tendência massificadora, desprezando as liberdades individuais, tão caras à democracia. Nós da América do Sul conhecemos este modelo a partir de Chaves, Maduro e Dilma. Mas há populismo de direita, como sinalizado por Donald Trump.


Lembramos, mais uma vez, que o Estado-nação era um universo fechado e homogêneo, regulado por leis e costumes, harmonizando uma população em dado território, excluindo os loucos, os arruaceiros e todos os que não contribuíam com trabalho “honesto”, para o bem da sociedade. Este universo fechado e homogêneo era herdeiro do Estado absolutista, mas foi abalado com as guerras mundiais e o fim do colonialismo. A democracia surge como força em sociedades plurais em diversificação cultural. As identidades nacionais deram lugar a outros arranjos, como o multiculturalismo e o relativismo pós-moderno. A diversidade social ocupou lugar onde havia unicidade cultural. As fronteiras nacionais se tornaram mais porosas e tanto pessoas como capitais passaram a fluir entre as nações.


O enfraquecimento dos Estado-nacionais resultou no enfraquecimento da democracia e a determinação do Mercado como ideologia única. A democracia está posta em lugar central de ataque uma vez que não transforma as demandas em mudanças sociais as quais reconheçam os interesses das sociedades. Os desafios da democracia advém tanto dos que almejam o retorno do Estado-nação, os nativistas, quando daqueles que desejam o predomínio de Estados fortes e centralizados, comandados por elites culturais, políticas e econômicas, arranjados com os poderes do Mercado. Também a democracia é desafiada por aqueles que tomando a democracia de assalto (polarizando a sociedade e buscando maioria nos descontentes), agem de maneira populista, colocando em risco as instituições, governando por critérios voluntaristas e suprimindo as liberdades de consciência e expressão, uma vez tendo chegado ao poder.


Disto, devemos concluir que dois desafios, interdependentes e resultantes tanto da crise do Estado-nação, quando da crise da Globalização, estão postos. O primeiro desafio é encontrar um equacionamento glocal para o trilema Estado-nacional, Mercado Global e Democracia social. Por outro lado, urge enfrentarmos os desafios advindos dos antidemocratas, dos populistas e dos nativistas. Entendo que estas questões se interligam (o trilema de Rodrik e o desafio de Pappas), e um espaço profícuo para enfrentamento destas questões seria o cosmopolitismo, que envolve o reconhecimento de valores compartilháveis e busca de diálogo tolerante, que privilegia os mais afetados pelas decisões. Mas isto é outro assunto.

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