A ilusão Progressista
- Marcos Nicolini
- Aug 1, 2020
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Sufixo “ista”: denota um seguidor de um princípio. Como por exemplo, o budista, aquele que segue os princípios deixados por Buda. Neste caso, o presente é afetado pela guarda

do passado, o estilo de vida de um indivíduo ou de um grupo é afetado por ditos e escritos que rementem a valores e crenças preconizados por Buda.
Noutro caso, porém, o princípio é, temporalmente falando, o oposto. Refiro-me ao progressista como aquele que segue o princípio do Progresso.
Sobre qual fundamento se esteia o Progresso? O Progresso é a ideologia proveniente da secularização da escatologia cristã. Como tal, é como aquele velho restaurante que expõe a nova placa que diz: “Sob Nova Direção”.
Nova, aqui, está embebida da mesma premissa que Progresso. Sabemos que no latim “novo” se diz “moderno”. Modernista e Progressista se articulam sobre princípios de uma mesma ideologia, de um mesmo sistema de ficções, de mitos. Parodiando Claude-Levi Strauss: os mitos falam dos mitos. Modernista, ou Novista, e Progressista falam-se mutuamente como um espelho reflete outro espelho, ao infinito.
O Progressista vive a ficção de que o passado é constituído de obscuros discursos falaciosos e que certo tipo de racionalidade é suficiente e necessária, não apenas trazer luz a estes lugares sombrios, como também para promover um movimento em direção a um outro lugar, claro e verdadeiro. Moderno, Iluminado e Progresso estão imbricados numa guerra contra o antigo, o obscuro e o tradicional.
Ninguém está dizendo, aqui, que algumas, ou, muitas coisas mudaram de tal maneira que nos possibilitaram acesso mais amplo a coisas no mundo. O que se contesta é o sentido do Progresso como uma Novidade que nos faz caminhar para algo mais elevado, melhor. O Progresso sendo uma secularização da escatologia cristã flui sobre alguns elementos fundantes. Um deles é a teleologia, isto é, que o fim está posto desde o início, que o movimento histórico segue uma meta pré-estabelecida. Qual é esta meta é a divergência entre esquerda e direita progressistas, a causa final deste movimento. Outro fundamento é a causa eficiente deste Progresso. Enquanto que na escatologia cristã a causa eficiente é Deus, o Senhor da história, na crença no Progresso a causa eficiente é uma certa racionalidade, ou melhor, a Razão humana.
A Razão seria, então, aquela potência que transforma uma matéria informe, obscura, em uma forma que atenda aos ditames da finalidade última, segundo a forma dada previamente. A Razão é supra-suficiente para transformar o informe em uma forma final. O Progressista acredita que a liberdade está em aderir a este projeto que leva do informe à forma, do inferior ao superior, do obscuro à luz, do irracional ao racional, do mal ao bem. A Razão, então, uma vez secularizada, é divinizada e o telos, o sentido final, é dado desde o início por esta Razão. Cabe ao indivíduo dois caminhos: a aderência a este movimento histórico que se move até a forma final dada desde o início, ou a sua eliminação como a borra é eliminada do ouro, quando de sua purificação pelo fogo.
Toda falácia Progressista está fincada no mito da Razão, como a causa eficiente, suficiente e necessária, para transformar a matéria social bruta e informe, em um instrumento que seja a materialização do telos (finalidade projetada) em ato. A Razão, enquanto fundamento, é divina, não obstante, como diriam os neoplatônicos e os gnósticos, está obscurecida por uma capa de sujidade que requer uma ascese de purificação, como bem preconizam os estóicos. A ideia de Progresso ascético traz consigo a ideia de que “somos anões sobre os ombros de gigantes”, como nos sugere Bernardo de Chantres, teólogo medieval que viveu no século XII.
O Progressista, como alguém que secularizou a escatologia cristã, é alguém que repete o que o apóstolo Paulo disse: hoje vemos midiatizados (como que por um espelho do século I, obscuramente), mas amanhã veremos a verdade (face a face, sem mediação, claramente). O Progressista acredita que hoje somos melhores do que ontem e piores do que amanhã.
O Progressista é alguém que vive sobre uma gigantesca mentira, ou seja, aquela que diz que superou a religião, enquanto seu fundamento é a crença escatológica cristã: não apenas não a superou, como sobrevive nos ombros deste gigante obliterado, ou melhor, eclipsado. Também se nutre da ficção de que a Razão traz em si os recursos suficientes para superar seus limites, posto que ocupa o lugar de um deus que já é mas ainda não o é totalmente. Uma vez divinizando-se, a Razão seria ilimitada, apta para conhecer e reconhecer a verdade, levando a humanidade a este encontro face-a-face.
Cabe ressalta, outrossim, que assim como os escolásticos medievais usavam da lógica aristotélica para deduzir mundos possíveis desconectados da factualidade da existência, também hoje os Progressistas trazem em si o viés da negação do fato. Elaboram utopias (aqui dizendo o que isto quer dizer: lugar nenhum) e travam guerras que visam impor suas ficções teleológicas (discursos finalistas e necessários) aos humanos reais (contingentes). Promovem verdadeiras engenharias sociais tendo como premissa a antevisão do paraíso na terra e a necessária subsunção do indivíduo a esta forma precisa.
Para nos libertarmos desta prisão Progressista precisamos perceber as ficções e falácias de seus constructos utópicos e não darmos ouvidos ao palavreado sedutor destes magos e buscarmos entender que a racionalidade humana, antes de ser ilimitada, é uma racionalidade limitada, frágil, viciada, como nos propõe Herbert Simon, continuado por Daniel Kahneman (Rápido e devagar; Ed. Objetiva, 2018) e narrado por Nassin Nicholas Taleb em “Iludidos pelo acaso” (Ed. Objetiva, 2019).
Escritores como estes nos mostram como a razão (aqui colocada em minúsculo para fazer sobressair suas limitações e falhas constitutivas) é impotente para apreender o mundo, lançando mão de estratégias heurísticas (método que passa por reduzir o complexo ao simples, a fim de possibilitar certo conhecimento e tomada de decisão, que nos permite escapar do pirronismo radical), mas marcada por vieses, isto é, vícios constitutivos. Estes autores nos apontam para o fato que a Razão Moderna e Iluminista está fundada sobre uma quimera, uma ilusão, ela mesma um viés. Na tentativa de eliminar o Deus cristão do cenário social e apagar da sociedade sua memória, os pensadores daqueles séculos procuraram uma fantasia absurda em substituição, a qual deveria ocupar o espaço enorme que aquele Deus milenar até então ocupou. A Razão Progressista é este Messias secular que a Modernidade e o Iluminismo procurou criar, no afã de apagar o rastro do Deus cristão e impedir que o vácuo cético e anárquico viesse a tomar de assalto a sociedade.
Século após século a Razão mostrou-se incapaz de dar conta dos desafios a que foi submetida e falhou em dar respostas adequadas aos que dela esperavam a verdade progressiva. Hoje, parte dos pensadores e cientistas, mormente os que têm um olhar crítico sobre as ciências sociais, percebem que a razão humana, mesmo daquelas e daqueles que passam pelo treinamento acadêmico, não está aparelhada para conhecer e reconhecer a verdade, mesmo processualmente. Estas pessoas deram conta que o que chamam de Progresso, principalmente o promovido pelas ciências e pela tecnologia, nada mais é do que uma ficção de duas faces de uma mesma moeda. De um lado resolve problemas que se apresentaram aos homens, mas de outro traz novos problemas, por vezes ainda maiores. Se de um lado as indústrias permitem a produção em larga escala atendendo demandas crescentes, por outro produzem lixo e poluem o meio ambiente; se de um lado o agronegócio permite a ampliação da produtividade e produção agrícolas, por outro tem um impacto ambiental extravagante. Se de um lado os veículos automotores permitiram a movimentação de pessoas e coisas, em tempos reduzidos e distâncias crescentes, de outros contribuem para o aquecimento global e a poluição. Poderíamos citar outros tantos benefícios e malefícios integrados ao desenvolvimento científico e tecnológico.
O Progressista pode ser cotado, então, como alguém que adere a uma crença no Progresso que se baseia na Razão como causa eficiente, que ruma a um fim posto como meta, agindo em prol de um projeto que formará uma sociedade que suplante todos os desafios, emergida de uma sociedade ainda disforme. Crendo neste modelo aristotélico-religioso, o Progressista se coloca como um profeta deste tempo a vir e engenheiro deste mecanismo em construção. Contudo, antes de ser um ser iludido por uma promessa falaciosa, o Progressista é alguém que está engajado em um projeto de poder. De fato, devemos dizer que, como na maioria dos movimentos eugênicos, há os Progressistas naïve, aqueles que se deixam conduzir por este canto das sereias, e os Progressistas sofisticados, ou espertos, aqueles que usam da crença difundida apenas para obter o fim que deseja, que o beneficie: o poder. Estes sabem que o projeto que articulam não é verdadeiro e nem há como se tornar verdadeiro, contudo não erram ao estimular os ânimos a este fim.
Levaremos algum tempo ainda até que tais sacerdotes da mentira caiam em descrédito e a palavra Progressista sejam cotada como um palavrão ofensivo, assim como hoje já o são as palavras fascista e comunista, ambas possíveis apenas num tempo em que o progresso humano era um slogam para qualquer movimento.
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