Porque as nações fracassam
- Marcos Nicolini
- Dec 11, 2016
- 4 min read
ACEMOGLU, Daron e ROBINSON, James. Por que as nações fracassam? As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012
Quando olhamos os dados do IBGE para o século XX e no século XXI, podemos constatar algumas coisas:
1o- que no início do século XX praticamente 100% dos brasileiros se diziam católicos

romanos;
2o – que no censo de 2010 cerca de 64,63% dos brasileiros se autodenominam católicos, 22,29% se autodenominam evangélicos e 13,08% se dizem de outras religiões ou de nenhuma religião;
3o – em 1970, cerca de 95% dos brasileiros se diziam católicos, 4,5% se diziam evangélicos (praticamente todos os evangélicos diziam ser protestantes históricos: anglicanos, batistas, congregacionais, luteranos, metodistas, presbiterianos, etc.) e 0,5% se diziam de outras religiões;
4o – em 2010, dos 22,29% de evangélicos, os protestantes históricos somavam os mesmo 4,03%, os demais 18,26% se diziam pentecostais (Assembleia de Deus, Deus é Amor, Brasil para Cristo, Congregação Cristã do Brasil, etc.), neopentecostais (IURD, Quadrangular, etc.), mas a estes se somam os que dizem ser se múltiplas igrejas e aqueles que se dizendo evangélicos, não se identificam com nenhuma igreja em particular. Estes dois últimos grupos somam algo em torno de 5,6%;
5o- Em 2010, dos 13,08% não cristãos, 8,04% se dizem sem religião (dentre os quais 0,32% se diziam ateus, 0,07% agnósticos e 7,65% diziam crer em algo, mas não se identificavam com qualquer religião;
6o – das religiões ditas não cristãs, em 2010, o grupo mais expressivo era os dos espíritas com 2,2%, os demais grupos (religiosidades afro, budistas, hinduístas, islâmicos, esotéricos, indígenas, etc.) somavam 2,84%.
O que importa não são os números, mas a constatação que em 110 anos o Brasil, segundo as estatísticas sobre identidade religiosa, se tornou plural. De uma homogeneidade católica, hoje o brasileiro pode escolher inúmeras possibilidades de crenças, religiosas ou não religiosas. Não apenas o catolicismo reduziu, como o cristianismo deixou de ser a escolha religiosa única para o brasileiro. Nossa sociedade se torna, crescentemente, plural e pluralista.
Sociedades homogêneas, nas quais se supõe haver uma única identidade, no caso, religiosa, não haveria conflitos de interesses, posto haver apenas um interesse. À medida que outros grupos, outros interesses, outras identidades se colocam como alternativas, exige-se arranjos que levem em conta a pluralidade. O Estado, que até então pode coexistir, segundo um arranjo específico, com o grupo religioso único, agora se vê sob a tensão de interesses conflitantes.
Em sociedades regidas pela égide do Estado-nação, com fronteiras rígidas e em constituições que levavam em conta certa homogeneidade interna, o arranjo Estado-Igreja podia se regulado por modelos se vieses secularistas, hora tomando como referencia Hobbes (subordinação da religião ao poder soberano, como no caso da Inglaterra, Alemanha e países nórdicos), hora tomando como referência Locke (em quem os homens de negócio, de letras e sacerdotes se viam representar no Legislativo, como no caso do EUA) e hora tomando como referência Rousseau (com a abolição da religião tradicional e substituição desta pela religião civil, como se tentou na França e como se buscou em países de ideologia marxista-leninista ou maoísta).
O Estado-nação secular encontra sua crise a partir das Primeira e Segunda Guerras mundiais, com o colapso da ideologia marxista e com o advento da globalização econômica. Aqueles modelos tradicionais produzidos nos séculos XVII e XVIII se esgotam, ainda que tenham deixado o legado do Estado de direito, positivo. O positivismo e o utilitarismo, também encontram seus limites. O Estado de direito é um requisito das sociedades modernas e plurais (na Europa e EUA a pluralidade religiosa e social já ocorrera desde o século XVI e vem se acelerando. O preceito do Estado de direito é o fim dos privilégios e a igualdade formal diante da lei, é o regime do governo da lei e não do governo pela lei. É o regime em que as elites (aristocracias, oligarquias, clero, capitalistas e políticos, etc.) estão subordinadas às mesmas leis que os laicos (aqueles que não herdam poder político, econômico, religioso e acadêmico).
A passagem do poder absolutista na Europa, com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial na Inglaterra, é marcada por conflitos, guerras civis e guerras entre nações. A perda dos privilégios resultantes das demandas de reconhecimento social e políticos daqueles grupos marginalizados (os laicos), não se deu sem uma destruição criativa do ordenamento anterior e a busca de uma nova constituição inclusiva e participativa. Em países como a Rússia, esta passagem revolucionária se deu pela tomada do poder por grupos extrativistas, que retiraram a liberdade, excluíram a sociedade das deliberações e norteamento, militarização da política, etc. Ou seja, a crise do poder político pode levar a instituições políticas e econômicas inclusivas e progressistas, que ampliem participação e democratizem o conhecimento, implemente mudanças tecnológicas, etc., ou pode levar a arranjos como os que vimos no leste europeu, na Ásia (China, Vietnam, Camboja, Coréia do Norte) e no Caribe (Cuba).
O século XX brasileiro e este início de XXI tem sido marcado por mudanças sociais no sentido do pluralismo social, mas também por ações das elites que têm visado impedir a instauração de instituições inclusivas, Estado de direito, mudanças tecnológicas que apontem para ganho de produtividade, destruição criativa de modos e culturas tradicionais, etc. Não apenas o regime militar de 64, como o bolivarianismo da nova matriz econômica e agora Temer, são golpes constantes na inserção do Brasil no rol dos países que podem dar certo.
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