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Deus está morto! Deus vive.

  • Marcos Nicolini
  • Jun 25, 2023
  • 3 min read

De longa data percebi que o Imperium pouco cria enquanto de muitos se apropria e ressignifica o apropriado como propriedade res-publicana: este é o conceito geral do Imposto, apropriação da mais valia do trabalho alheio. Seu centro vazio (sim, o centro do poder é vazio, como defende Agamben em O Reino e a Glória) apenas traz a prerrogativa da ordem como violência que expolia e fixa como próprio a si. O Imperium odeia a criação que não aquela da dominação, pois essa outra coloca em xeque a ordem e escapa ao Imposto, à lei necessária de uma dívida impagável, sempre renovada pelo rito sacrificial, sagrado, trágico.


Quando as tribos nômades foram expulsas pela ordem sedentária parida pelas mulheres sacerdotisas, estas como princípio de eficácia desta ordem criativa, ainda assim não era um principado, antes um espaço cercado no qual fincaram a herança de si para si na exploração dos campos de cultivos e das minas de metais para fundição de pontas de flechas, lanças e de espadas, facas e arados. Grandes avanços na agricultura, na astronomia, nas matemáticas, na metalurgia, na religião e na ordem fundada na e pela religião chefiadas por aquelas sacerdotisas. O sedentarismo e a religião coabitaram e gestaram um rebento monstruoso que haveria de se nutrir nos gestores.


Mas ainda não era Imperium, até que uma cidade logrou êxito em dominar outra cidade agregando novos espaços, novos campos plantados, novas cidadelas guerreiras e não mais assassinou seus habitantes, antes, subordinou-os pela dominação: nasceu o Imperium, a política, a distinção entre dominadores e dominados. O Imperium cria a escravidão, isto é, em administrar a morte e conceder a vida. Dos dominados os fortes se tornaram soldados, os fracos trabalhadores; dos dominadores os reis se tornaram deuses, os súditos se tornaram sacerdotes.


A religião estruturou a ordem que a violência política requisitava fazer, posto apenas sabe mutilar e apropriar-se do produto do outro. A política vive do outro do qual deve se apropriar e dizer ser seu. A política nada cria além da dominação, pois que se funda em nada e do nada nada advém. A política é o rito religioso por outros meios, enquanto apaga os rastros deste crime que quer ser perfeito.


A tragédia, o sacrifício e o inelutável destino dos humanos sob o domínio das leis necessárias que eles apenas poderiam conhecer seus efeitos sobre corpos em atrito, conquista da religião, fundamento, substância e forma do político. A política põe-se a si mesma como necessária, necessidade inescapável: tudo é política para a política. A serpente engole a serpente.


Os sacerdotes que legitimaram a adoração vazia ao rei-deus e a dominação dos povos conquistados e submetidos aos impostos e às leis, um dia foram substituídos por homens de letras, cuja função é fazer esquecer esta substância primeira, a religião, e fazer crer que a política a todos perpassa. Como nos diz Freud, a religião perdeu a eficácia a qual foi garantida por um novo clero, os intelectuais. Os homens das letras, como disse Julien Benda, são o clero da ordem violenta que opera para negar seu papel sacerdotal numa ordem sem fundamento e niilista. O novo clero apaga o antigo com um novo dicionário com antigas semânticas.


A circularidade política-religião, violência e fazer crer é criada na passagem do neolítico para o Imperium (a história). Da passagem do Imperium ao Estado Moderno a circularidade é política-política, mutatis mutandis, religião-religião. Que neste momento não me deixe falar sozinho John Gray, quando propõe Ateísmo, Gnosticismo y Religión Política Moderna (in Siete Tipos de Ateísmo).

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