top of page

Materialismo ad hoc

  • Marcos Nicolini
  • Jan 14, 2023
  • 4 min read

Continuando a leitura (mais propriamente relendo como se fosse a primeira vez) de G.K. Chesterton, Ortodoxia, agora adentrando ao capítulo XIII, O romance da ortodoxia. Entretanto, metamorfoseando (algo que lembra o original mas se mostra algo deformado, transformado) as palavras do autor, isto é, tomando suas palavra como as entendi e acrescentando minhas palavras como as experimento, escrevo ao lado de seu texto o seguinte texto: o livre-pensador é um dogmático preso em uma cadeia de pensamentos, a qual lhe é imposta por um sistema ideológico que o informa numa rede finita e fechada de crenças antes que possa escolher aderir ou não, cuja partícula ad hoc (ou seja, tirada do colete como um mágico cria a ficção de um coelho sacado da cartola) estruturante, funda sua metafísica negada, isto é, sua fé necessária e confundida como fundamento inquestionável enquanto injustificável, a qual estando ocultada, posto que faria implodir seu castelo de brumas, conquanto está articulada linguisticamente como materialidade de fatos.



Mas na busca desta fundamentação, negada e mantida arbitrariamente e sem fato material comprobatório, ele, o materialista, traça um caminho conhecido como "terra arrasada", o mesmo movimento feito por Bonaparte que o conduziu à derrota, a perder a guerra contra os russos. Terry Eagleton em seu livro A morte de Deus na cultura (texto que devo retornar em breve) demonstra como o Iluminismo fracassou em cada um de seus projetos: no idealismo, no romantismo, no racionalismo, etc. Fracasso também apontado veementemente por Robert Kurz, em A razão sangrenta (leitura em andamento).


À medida que cada um destes fracassos iluministas, que no século XX foi reconhecido pelo estruturalismo, pelo pós-estruturalismo, pela pós-modernidade, pelo pensamento sistêmico, o pensamento decorrente do Iluminismo degenera-se em niilismo hermenêutico, no comunitarismo e no ativismo progressista, além da cibernética, consumismo, etc. A degenerescência do Iluminismo em niilismo leva não apenas o pensamento, como a factualidade a um vazio da desrrefârenciação. Vazio este já previsto não apenas por Nietzsche, como por Max Weber, por exemplo.


O interessante é que o materialismo ao mesmo tempo que coleciona fracassos se aprofunda em sua fé, sobre si mesmo, eclipsada pela falácia secularista. Isto quer dizer que o secularismo nega ao materialista o direito da fé, enquanto o materialismo, em si, é uma fé. Como dissemos, há um elemento ad hoc que funda de modo inquestionável e não demonstrável nos termos do edifício materialista que é erguido sobre ele, esta necessidade fundamental de uma metafísica a qual é suportada como uma fé religiosa. A fé, que é certeza e convicção (como nos diz o autor da epístola aos Hebreus, na Bíblia cristã), está presente naqueles que negam a fé ao tratarem-na como obscurantismo e irracionalidade, posto não poder ser demonstrada factualmente. Sem poder demonstrar, o que é uma cláusula materialista (cláusula está que diz que tudo se resume ao material, ao factual, ao sensível e ao existente em sua materialidade), ou seja, sem poder determinar sua materialidade, o materialista se lança à fé, isto é, assumir uma certeza e convicção indemonstrável.


O Iluminismo, ou seja, a construção de um mito que se funda naquilo que combate (a saber, a fé, a certeza e convicção em algo indemonstrável), que nega, caminha, inexoravelmente para o suicídio, para uma degenerescência inexorável. À medida que não encontra mais energias para produção teórica que suplante a anterior e avance para um pensamento que o retire desta morte anunciada, opta pela morte como finalidade. Como não tem mais recursos para construir um edifício de pensamentos, opta por negar qualquer valor e finalidade, a isto chamamos de niilismo. O niilismo que hora se apresentou como dialética (a de Hegel é o modelo mais bem acabado de niilismo pois que se funda sempre em negações e negações de segunda ordem) e como hermenêutica e giro linguístico, o que nada mais são do que o assumir de um fracasso de dar conta da existência e assumir o vazio como alfa e ômega.


O que me vem de fato na cabeça são duas coisas. A primeira que o humano foi reduzido a um corpo, cuja vitalidade se busca nas relações fisico-químicas, a alma como mente e a mente como um computador que calcula probabilidade, por sua vez as emoções como propriedades cerebrais para decisões que precisem de rapidez, embora comportem imprecisões. Segundo, que a vida e a existência é factual e não mais resultado de pensamento e valores, o que implica que não apenas somos corpos que fazem cálculo buscando reduzir dissabores e maximizar benesses, mas ainda mais, somos corpúsculos que pensam viver enquanto apenas estabelecem relações e contatos com outros corpos em um mundo insensível e indiferente, que de fato nos tornam insensíveis e indiferentes aos outros corpos.


O que era uma sofistica (o projeto Iluminista) que nos apontava para o mito da liberdade, acabou transformando a vida e a existência em uma rede cujo funcionamento necessário assume a humanidade e a vida como algo vazio e destituído de finalidade, a não ser sobreviver e reproduzir por meio da violência e da irracionalidade. O racional é irracional, eis a certeza materialista.

Comments


Obrigado por Subscrever

  • Facebook
  • Twitter
  • YouTube
  • Pinterest
  • Tumblr Social Icon
  • Instagram
bottom of page