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Pós-modernidade e o sujeito de uma teologia fundamental

  • Marcos Nicolini
  • Feb 5, 2023
  • 6 min read

Aqui com meus diálogos. Neste momento ainda em converções com Carlos Mendoza-Álvarez e a proposição de “o Deus escondido de pós-modernidade: desejo, memória e imaginação escatológica. Ensaio de teologia fundamental pós-moderna.”(É Realizações Editora, 2011)


Entre muitas proposições que me prenderam a atenção, contudo, gego à página 261 e percebo o culminar de um incômodo que trago desde muito antes, decorrente da tentativa no texto, que me parece encontrar a frustração anunciada no objetivo do projeto, de fazer valer um sujeito na pós-modernidade: oxímoro. Depois de minhas escutas, nem sempre atentas e minuciosas, de Baudrillard, Foucault, Lacan, Deleuze, Guattari, Derrida, Vattimo, Rorty e ter chegado em Agamben, e para além e anterior a eles, de Heidegger e Nietzsche, fico me perguntando: que sujeito pós-moderno pode-se ter por objetivo?


Sujeito, sub-jectum, o que é posto sob, e que se diferencia do ob-jectum, o que está posto diante pelo e por causa do sub-jectum. O sujeito, esta entidade que suporta o racionalismo, o idealismo, a luta de classes, a ciência, etc., e que é alvo privilegiado da pós-modernidade.


Na pós-modernidade é este sub (este sob que funda) que é posto em questão. O sujeito lançado pela escolástica como o fundamento do conhecimento e da moral (como poderemos ver na proposição de De Libera) e que é atualizado por Descartes em seu cogito. Este sub que desde os pós-novos-tempos é posto como nada, enquanto nada há neste posto. O que se lança sob é o nada, nada há posto ali sob. O sob é um não-lugar em que nada há. O sujeito, o sub-jectum, o sob lançado é nadificado na pós-modernidade.


Poderíamos dizer, então, nihiljectum, nirriljeito. Como diria Heidegger, o ser (que é linguagem) está suspenso sobre o nada; ou como em Deleuze&Guattari, o rizoma, aquela estrutura de auto-suporte que busca coerência no lugar de enraizamento e fundação, flutuando no nada da incompletude; ou como em Baudrillard que o sujeito é simulacro, um mito vazio como se o abismo gravitasse em torno de si mesmo; ou em Foucault para o qual o sujeito está morto; ou em Lacan e para os estruturalistas, para quem “eu-é- um-outro”, isto é, não é no sub-solo que se deve procurar um sujeito, mas fora de si, mais além do descentramento; ou em Vattimo que elabora um sujeito fraco, ou seja, não afirmativo, mas precário; ou em Agamben para quem devemos lançar fora o sujeito e nos encontramos com o assujeitamento, ou seja, o encontro de um indivíduo, de um eu (que não é si-mesmo) com um dispositivo, e deste uso mútuo se daria o assujeitado, isto é, o sujeito que advém das múltiplas relações de uso de dispositivos; como em Rorty, para quem devemos abandonar estas ilusões de nos depararmos com a verdade e devermos nos ater a projetos pragmáticos, como ampliar os limites comunais da justiça; por último, mas não por fim, em Derrida para quem deveríamos falar em uma negatividade do sujeito, numa desconstrução sempre em andamento de quaisquer fundamentos, inclusive do humano. A desconstrução como um projeto crítico de desfundação, de proliferação de sentidos.


O que teríamos, ao irmos ao encontro da pós-modernidade, não é a possibilidade de um novo sujeito, descentrado, precário, vulnerável, mas de um não-sujeito, isto é, da ausência de algo que funda a possibilidade de dizer mundo e das coisas de estarem no mundo organizadas desta ou daquela maneira, relacionando-se entre si. O que se dá na pós-modernidade é que o então sujeito se com-funde, se mistura aos que então eram tidos como objetos. O que se passa é que os, então, objetos se tornam algo como que sujeitos, aqueles que organizam os entes, as coisas no mundo e o mundo como as relações entre coisas, assujeitando os sujeitos de então para que se relacionam com as coisas e os outros então-sujeitos desta ou daquela maneira. Os objetos passam a organizar o mundo como se fossem sujeitos e os sujeitos se relacionam entre objetos como se fossem objetos. A diferença sujeito-objeto se torna indiferente. Os objetos são os produtos das ações humanas e que produzem humanos ativos.


Um corpo que não se entrega ao mundo como se fosse algo que se deixa pôr em relacionamentos assujeitado é ou coisa a ser assujeitada (reserva de valor ainda não utilizada, não arregimentada), ou é nada (lixo, escória, etc.).


O projeto pós-moderno é niilismo em sua forma mais radical, isto é, negação de toda fundação e proliferação de sujeitos-objetos, ou de assujeitamentos. Não apenas sujeitos precarizados, rizomas estruturantes com crenças em coerências internas, linguagens e suas caixas de ferramentas, projetos pragmáticos, etc., mas assujeitados que produzem críticas aos dispositivos, desnudando-os pornograficamente e fazendo que se proliferem inúmeros assujeitados que pulsam em existência infinitesimais. Nenhuma experiência no mundo é assertiva ou negada, enquanto se dá num instante e logo esvaece, dando lugar a novas possibilidades que porta em si sua negação.


Um exemplo interessante são as transmutações em torno da sigla LGBT (que nos negaremos a traduzir suas letras em palavras), a qual surge nos anos 1990. Logo se torna LGBTQ, mais adiante acrescentou-se o I, tornando-se LGBTQI, o que se transformou em LGBTQIA+ e deste chega-se a LGBTQIAPN+. E quem pensar que as transmutações da sigla se esgotaram, podemos desconfiar que a proliferação pseudo-identitária ainda poderá a vir reclamar a expansão de letras enquanto houver abecedário. E ainda imaginar que esta precária sigla ainda denuncia a ausência de letrinhas que acolham as feministas (e suas muitas vertentes) e a eventuais machos betas (com suas eventuais nuances e alternativas). Em suma, o mundo pós-moderno é uma Pândega!


Não obstante toda esta festiva dionisíaca regrada a niilismo, podemos pensar hoje no esgotamento do discurso pós-moderno e seu materialismo pornográfico (ao menos a Modernidade e o Iluminismo guardavam algum pudor e praticavam suas orgias em lugares fechados como as conversas entre atores) e nas tentativa de representações hermenêuticas e narrativas que tentam, em vão, mascar este mal que aponta para a banalidade do vazio. A máscara que esconde o nada, a persona sem conteúdo, o pseudo-sujeito sem self, o vazio desta materialidade sem espírito, que suga a energia vital e lança o humano no abismo do desespero e da angústia: o terror de não viver enquanto deseja a vida impossível. A entrega de seus corpos à morte, como o único elemento que marcaria a individualidade, por meio das formas mais criativas de morrer enquanto seu coração ainda pulsa em batidas sem sentido.


Se há ainda, nestes tempos em que não se encontra mais fé, neste tempo escatológico por excelência, alguma esperança de fé amorosa, esta passa pelo questionamento deste vazio, deste abismo aberto por um fé inquestionada na matéria como fundamento sem fundamento, neste sub-jectum niilista, neste nada que lança a humanidade a um encontro suicida de sua breve existência. Se há alguma esperança de fé amorosa esta passa pelo diagnóstico pós-moderno, que coloca a arrogância humano de uma razão infinita e divinizada na guilhotina da história, que lança o humano na humilde posição de saber enviesado e errante, fruto de uma razão apequenada e vulnerável pelo próprio ser deste sujeito que não serve de fundamento a nada e nem a nada. Se há alguma esperança de fé amorosa é neste esvaziamento e o abandono do prognóstico pós-moderno de nos colocar diante do nada. Nada é o mal que se quer banalizar pela via materialista monista de uma razão moribunda que ainda se arroga a maldizer os vivos.


Não! Não desapareceremos deste planeta por conta de guerras nucleares, de vírus propagados na velocidade dos transportes supersônicos, por conta de um meteoro devastador, de mudanças climáticas promovidas pela irresponsável ação do capital, pelas conflitos político-ideológicos, etc. Morreremos com a morte da fé na existência humana que será subsumida aos dos objetos e como objeto a coisa útil e manipulável. Deixaremos de existir muito antes de deixar de existir corpos que hoje reconhecemos como corpos humanos. Já estamos deixando de existir. A fé amorosa e esperançosa num mundo onde Deus se esvaziou tornando-se humano para demonstrar aos humanos o quanto são únicos diante de seu amor, ainda é uma voz no deserto que clama para, como filho pródigo, ousarmos dizer: voltarei à casa de meu Pai.


Então falará aquele sujeito que tem como Sujeito aquele que se esvaziou. Esvaziado de sua arrogante presunção de senhor do cosmos que o tiraniza por meio de uma Razão divinizada, este pequeno e titubeante sujeito, despojado de sua razão que quer dizer que tudo pode, até mesmo descrever Deus, este sujeito dirá: perdão. Sob o signo do perdão o sujeito se levantará e colocar-se-á à caminho de uma outra humanidade, nem moderna e nem pós-moderna, muito menos pré-moderna: uma novidade de vida.

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