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Qual a probabilidade de ser um realista hoje?

  • Marcos Nicolini
  • Jun 29, 2021
  • 5 min read

Pergunto-me se o realista não precisaria antes de mais nada ter alguma crença em alguma realidade. Saímos do espaço do debate em torno do pessimista, do realista e do otimista e

entramos no espaço em torno da realidade, do conhecimento e da decisão. Pois é a decisão a partir de conhecimentos sobre o real e sobre a projeção de uma realidade esperada que é a questão. Ou não?


Quanto à realidade precisamos saber se há alguma realidade fora de nossa mente ou há esta coisa que chamamos de real por si mesmo? Em outros termos, não é dizer apenas que o Sol nasce todos os dias, mas é pensar sobre o sistema geocêntrico, heliocêntrico, a gravitação universal, a teoria da relatividade geral e alguma outra forma de representação que ainda não encontramos. Estas coisas, isto é, nosso sistema de representação é algo que está no mundo, ou é algo que produzimos para saciarmos nosso deleite em conhecimento? Nosso afã em dominação? A Terra obedece a uma Lei, ou a dita Lei apenas está em nossa mente e expressa em uma determinada linguagem? Aqui está exposto um longo e árduo debate sobre epistemologia envolvendo realismo e outras formas de conhecimento não realista. O realismo evoca certo fundacionalismo, a crença num fundamento último para as coisas, no caso, as Leis Necessárias e Universais que governam a Natureza, quer ela seja expressa por cálculos, ou por dialética, ou outros modos.


Daí se segue a pergunta: é possível o conhecimento? Ou, como é possível o conhecimento? O realismo clássico nos dirá que o mundo nos afeta, afeta nosso intelecto passivo, ao sermos afetados produzimos, pelo intelecto ativo, alguma forma de representação do real. Esta representação do real traz consigo alguma relação com a verdade. A verdade como adequação da realidade com a descrição do real, ou, dizer o que é daquilo que é, e o que não é daquilo que não é. Assim, nos moldes clássicos e realistas, o conhecimento é crença verdadeira fundamentada (ou, justificada, onde a justificação exige um fundamento último, ou metafísico). Como meio de questionamento destas crenças fundacionalistas surge um anti-realista clássico, que chamamos de cético, ou pirronista. Este cara coloca dúvida na possibilidade do intelecto, em conhecer a verdade. Segundo este anti-realista, ou a verdade não existe, ou não temos recursos para conhece-la.


Antes de pensarmos na decisão, precisamos relembrar a passagem do pré-moderno ao moderno. A passagem do pré-moderno para o moderno não é uma passagem do realismo para o anti-relismo, isto ocorre apenas no final do século XIX e início do XX. Em tal passagem do pré-moderno para o moderno temos também um movimento epistemológico do abandono do fundamento qualitativo, para um fundamento quantitativo. O realismo clássico se distingue do realismo moderno por ter aquele uma epistemologia qualitativa para explicar os fatos, enquanto este tem uma quantitativa. Como exemplo lembramos que Aristóteles e os medievais acreditavam que as coisas do mundo se comportavam como tais por conta de qualidades, e o melhor exemplo são os quatro elementos (quem sabe, o quinto elemento?): terra, água, fogo e ar. Estes quatro elementos explicariam a unidade e a secura, a ascendência e a queda dos corpos. Mas, com Francis Bacon há uma mudança radical na epistemologia e assim temos a busca empírica pela explicação dos fenômenos e com Galileu ouvimos: “o mundo é um livro escrito na linguagem matemática.” Estes dois sumarizam a Razão Moderna: cálculo. Ser Racional passa a ser a capacidade de algum tipo de cálculo na explicação de fenômenos e no controle e previsibilidade de ocorrências futuras. Veja os exemplos: Maquiavel, Descartes, Hobbes, Spinoza, Kant, Leibniz, etc., cada um à sua maneira, mas apelando para algum tipo de geometrização ou calculabilidade para o racional. O Utilitarismo é a expressão do cálculo levado ao ordenamento político. A antropologia do liberalismo econômico clássico diz que o indivíduo é um ser racional que faz cálculos livres em suas trocas econômicas. A Modernidade desenvolve uma Racionalidade Mecaniscista a qual poder ser expressa pela função y = f(x), expressando controle, previsibilidade. O Taylorismo é uma maneira de traduzir isto na indústria. Ser realista nesta modernidade é crer que o mundo pode ser explicado, controlado e determinado seu modo de comportamento segundo a certeza matemática. É neste sentido que liberdade é ignorância, pois enquanto ignoramos as Leis que regem o comportamento dos corpos, parece que tais agem de maneira voluntária, isto é, sem Lei. Não nos esqueçamos de nossa tradição cristã, para quem o humano é alguém que não tem em si os recursos para tomar decisões livres, portanto, precisa de Deus, um agente transcendente para quem remetemos a Razão Livre, ou, a racionalidade plena.


Entramos no século XX com o ruído do fim de metafísica em Kant, com a declaração da morte de Deus em Nietzsche, mas também com o cálculo probabilístico, com Freud e Darwin. O mesmo Kant que dizia que a moral é obedecer a uma Lei Universal, também disse que não podemos saber nada além de fenômenos. Nietzsche esculhambou tudo dizendo que a verdade é a perspectiva do mais forte. Darwin diria que o mais apto leva tudo. Freud coloca uma cunha na Razão. O cálculo probabilístico quebra com a função y = f(x) e diz que y tem a probabilidade p1 de ocorrer se x1. Então a vida ficou um pouco mais complicada, pois se eu fizer X não tenho a certeza de que ocorra Y, mas, apenas a probabilidade que P(X).


Então, como podemos perceber, o modelo de decisão foi completamente desconstruído (como diriam os pós-modernos). Da certeza para a incerteza, do mecanicismo para o probabilismo cibernético. A cibernética (195x) diz que o ser vivo é aquele que age contra a entropia e por meio de feed-back. Este é um modelo radicalmente diferente que tanto define o que é um corpo vivo, como define processos decisórios. A Razão deixa de ser fundada no cálculo mecaniscista e se fragmenta em cálculo probabilístico e outras formas de inserir elementos decisórios, como a emoção, o prazer, o justo, etc. (mas, a estatística tem como traduzir estes estados de ânimo em dados que permitem a condução da escolha, o controle e predição comportamental, agindo sobre nossa ignorância...mas isto deixemos para depois). O que nos interessa é que as decisões são expostas à modelos decisórios como os de Nash (o máximo que sei dele é o que vi no filme Uma Mente Brilhante), ou, como outro exemplo, o dilema do prisioneiro, etc.


Os modelos de tomada de decisão, então, levam em conta os estados de ânimo, os modelos heurísticos (as simplificações que fazemos a fim de podermos minimamente decidirmos) e os vieses, os preconceitos, que traduzem nossa história e nossa personalidade. Neste sentido, otimista e pessimista tem a ver com nossa biografia, personalidade e visão de futuro. Estas coisas definirão os graus de liberdade de nossos modelos heurísticos e o risco que assumimos, tendo em vista nossa propensão a perder e ganhar. Por fim, como já disse algum Iluminista em mais de dois séculos atrás (acho): o empresário é um jogador de cassino, que arrisca sempre. Principalmente os empresários de mercados em emergência. Este modelo tanto traz consigo a crença cristã na incompetência, inabilidade humana em ter uma vontade livre e boa, quanto um modelo matemático baseado no cálculo probabilístico. Ser otimista e pessimista não é mais uma questão de ser realista, mas de capacidade de assumir risco diante da ausência de certezas e de dados confiáveis. Quem já se iludiu com Planejamento de Empresas do tipo Top-Down e afins sabe como isto é inútil, ou quem se iludiu com os Planos Quinquenais dos Estados também caiu na ilusão de antecipar o presente num projeto de futuro.


Em outras palavras: o humano atual ou usa modelos probabilísticos de tomada de decisão, ou, pensando se esquivar deles, oferece insumos para o Big Data transformar suas escolhas supostamente não calculadas em estatísticas que limitarão sua vontade. Como disse o Cortela, sou um preguiçoso ou sou um realista?

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