Relativismo, mutatis mutandis, totalitarismo.
- Marcos Nicolini
- Feb 21, 2023
- 3 min read
“e eu corri para o violão num lamento...como é bom tocar um instrumento”.
Não sei se num procedimento maiêutico, dialético, fenomenológico, hermenêutico, mecanicista, bayesiano, ou sei lá o quê, mas este procedimento masoquista de buscar conhecer coisas e tentar transpô-las em um texto é bivalente: de um lado doloroso, de outro prazeroso. Como fala Bataille a respeito de Kafka, a infelicidade que aflora felicidade no ato da composição, da escrita. Ter a coragem de tentar traduzir, sempre de modo incompleto, impreciso, o que está na experiência, digamos, mística de um relampejo diante de um acontecimento. Ter a certeza, não obstante, de não ser lido, se lido não ser compreendido, se compreendido não ser aceito...o princípio anacoreta.

Fazer uma busca entre livros e sacar um pelo título: “Horror metafísico” de Leszek Kolakowski, publicado no Brasil em 1990. Sei lá desde quando está em minha biblioteca, mas hoje o abri pela primeira vez.
Certa vez tive a intuição que a ploriferação pluralista comunitarista nada mais era do que um oxímoro, um encontro impossível tornado possível por uma engenharia social complexa. Lolakowski me permitiu perceber que eu não estava errado, apenas que minhas intuições não haviam encontrado uma descrição consistente.
Lembremo-nos de Francisca D’Agonstini que nos diz que o niilismo é a operação da negação de todos os valores últimos, todo fundamento, metanarrativas e meta-histórias, com a proliferação de discursos que se sucedem de modo relativista. Diria, que de fato, o niilismo é uma falácia cujo sentido é seu contrário. O niilismo é um totalitarismo, pela via do relativismo.
Este ponto, do encontro do relativismo niilista com o totalitarismo comunitarista que me encontro. Devo antes retomar minha intuição. Segundo ela deixamos de ter um lugar central que organizava a sociedade em termos de lugar do discurso e da convergência do poder, para uma pluralidade de comunidades fechadas com discursos psudo-relativistas, de cunho metafísico e totalitarista. O que isto queria dizer? Que a sociedade era organizada hora pelo discurso burguês, hora pelo discurso marxista-comunista, que se digladiavam em termos de ideologias com pretensões globais, mas que marcavam hegemonias regionais. O que a queda do muro de Berlin permitiu foi a metástase do hegemonismo de grupos periféricos.
Estes grupos periféricos introduziram a guerra de todos contra todos nas sociedades liberais, operando com a dupla vertente: são totalitaristas enquanto pretendem ser a ideologia, o estilo de vida que ocupa o lugar mais elevado na hierarquia social, enquanto apregoam um pseudo-relativismo pelo tempo em que não logram êxito em seu projeto de centro do poder, lugar de onde a lei é declarada.
A estratégia é niilista, ou seja, questionar em termos de crítica social, as formas e estilos de vidas concorrentes, solapando suas fundações, pelo tempo em que resistem aos ataques, até que possam implodir por falta de fundamentos críveis, por falta de legitimidade social. Esta era minha intuição atualizada.
Quem me atualizou tal intuição? Leszek Kolakowski. Ao questionar o relativismo nos diz:
“Um relativismo linguístico, histórico ou utilitário leva em conta um conjunto de regras sob as quais é permitido dizer ‘o demônio me tentou’, mas quando digo isto quero dizer precisamente que: ‘é permitido de acordo com as regras sob as quais eu vou dizer: ‘o demônio me tentou’ (ou dizer ‘a soma de três ângulos de qualquer triângulo é igual a dois ângulos de noventa graus’). Em outras palavras, tenho que obedecer à regra que me ordena ter em mente que quando digo algo, não estou dizendo que aquilo é o caso, mas que – nada sendo o caso – as regras me dão o direito de dizê-lo: Isto contribui para afirmarmos que todos nós deveríamos falar somente num tipo de metalinguagem.” (pg. 10)
Faz-se, incialmente a crítica niilista (solapamento da verdade e proliferação discursiva) para impor um relativismo estrutural a fim de impor, por fim, uma metalinguagem específica que, pretensiosamente, reordenaria o real. Mas o real é totalitário, pois a regra é imposta por um dos grupos minoritários que se arroga ser a linguagem verdadeira.
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