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Epistemologia para um Saber Absoluto

  • Marcos Nicolini
  • Jul 31, 2022
  • 6 min read

Updated: Aug 1, 2022

Faltando pouco para terminar a leitura da orelha do intrigante El origen de la conciencia en la ruptura de la mente bicameral, de Julian Jaynes (54 páginas faltantes) abri um dos diálogos socráticos, cuja escritura é atribuída a Platão: Fédon, ou da alma. Muito produtiva tal leitura, tanto que me inspirei a esta escrita apócrifa-herética.


Em meio à tentativa de Sócrates, face à morte eminente e inelutável que já o esperava diante da porta de sua cela (ou seria: a morte que vindo à cavalo, sentada na sela à porta da cela?), de criar uma narrativa fantástica de defesa da psiché atemporal e assomática, narrativa esta que tangencia a epistemologia, fiquei pensando na dialética do conhecimento-experiência. É incrível, como diz JJ, como humanos em crise produzem narrativas inverossímeis como fantasias de realidade.



Pensamento que transcrevo aqui é que Jamais me projetaria num prêmio Nobel, nem mesmo me abriria um convite a doutorado, mestrado ou TCC. Pelo contrário, tem um forte tom anacrônico e de cinismo. Mas vamos lá.


Por falar em cinismo anacrônico, lembrei-me das leituras de leitores de Hegel, principalmente aquele barbudo alemão que apregoa o ódio à burguesia, e seu mecenas esquizofrênico burguês-anti-burguês. Estes esquizóides que ouvem vozes antigas de homens-deuses e a dialetizam imiscuindo um secularismo materialista. Eles não são do tipo Édipo freudiano, mas suicidas edipóides, os que ao odiarem o outro não vêem que este outro é o si-mesmo. Enfim…vamos ao que nos sopra. Pensemos numa epistemologia dialética conhecimento-experiência.


Acompanhando a mimética da mimética de Hegel, poderíamos supor que o Conhecimento é o conceito, o Real, o senhorio, o nomos, melhor, o heteronômico que amplia; enquanto a Experiência é o material, o fazer, a riqueza de um empírico limitado, mas livre. Enquanto o Conhecimento é o positivo da dialética, a Experiência é o negativo, basta pensar no negativo do negativo que deverá ser a experiência do conhecimento, ou o saber material.


Como diria Sócrates o πονηρός, em outros termos, “todas as coisas são geradas desse modo, ou seja, contrários de contrários”. (Fédon, 771a) Nesse caso temos o positivo (conceito) e seu negativo (experiência), destes dois há de ser gerado o negativo do negativo (que, contrariamente às matemáticas não é positivo, antes, um outro termo que nega tanto o positivo quanto o negativo).


De um lado temos o conhecimento como a norma exterior e que amplia o saber sobre o sabido e de outro a experiência do fazer, rica, limitada e não sujeita aos constrangimentos externos . Sua relação dialética deve nos fornecer um outro estado que tanto negue o conceito (senhor), quanto o material (servo), em uma síntese negativa da negativa, que romperia a relação senhor-servo, a dominação de classe.


Ora, o conceito é abstrato, imaterial e não se volta ao acúmulo de materialidade. Numa sinergia diacrônica encontramo-nos com Sócrates dizendo: “o corpo acompanhado de seus desejos é o único responsável por guerras, conflitos civis de facções e batalhas; de fato, todas as guerras nascem do desejo de obtenção de riqueza, e é o corpo e o cuidado que ele exige, aos quais estamos escravizados, que nos obriga a ganhar dinheiro e obter riqueza.” (Fédon, 66a-66b). Também Paulo, o apóstolo, ao escrever a Timóteo diz: “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.” (1 Tim 6:10).


Há uma distância abissal entre a filosofia de Sócrates e Platão, e a Teologia de Paulo (a despeito do que diria o Neoplatônico Agostinho). Para entendermos esta diferença precisamos voltar a Julian Jaynes e sua semântica.


Para JJ há uma mutação semântica no sentido das palavras σώμα (sóma) e ψυχή (psychí). Segundo este autor a psiquê era a palavra que se referia ao sopro vital, à própria vitalidade que se constatava no respirar, enquanto sóma era a palavra que pode-se traduzir como defunto, a matéria morta. Não havia oposição entre psiquê e defunto, entre ψυχή e σώμα. Estas palavras falavam de coisas outras da mesma maneira que ao falarmos de beterraba e cavalo estamos dizendo coisas distintas.


No entanto, já em Sócrates e Platão ψυχή e σώμα não apenas são distintos, como são opostos. A ψυχή/psiquê como sopro de uma vida é transmutada em alma e σώμα/defunto é metamorfoseado em corpo. Não apenas um movimento semântico, como novos conceitos. A alma imaterial prescinde do corpo material, mais ainda, ressente desta prisão que lhe furta a possibilidade do saber verdadeiro. Apenas no desprendimento da alma que esta poderá lograr êxito em um conhecimento do real. O corpo é o lugar da morte e a alma da vida real.


Uma vez tendo citado Paulo, abre-se a nós a possibilidade de pensarmos em alguns cristianismos. Os gnósticos, por sua vez, acreditam nesta relação não apenas de exclusão recíproca, como em oposição em que a salvação passa pelo livramento da alma em relação ao corpo. O neoplatonismo também absorve esta oposição que permite se pensar numa alma aprisionada num corpo. Uma terceira alternativa seria pensarmos de maneira mais aristotélica, em que o corpo não se opõe à alma, mas (digamos assim) estabele certa synkrasis (mistura perfeita) entre matéria e forma, ψυχή e σώμα.


Uma aproximação entre cristianismo e hegelianismo pode ser feita por meio do gnosticismo. Vamos tomar o Gênesis: no princípio Elohim criou o céu e a terra. Numa leitura em que a vida imaterial, psiquê, se opõe à materialidade desprovida de vida. Deus, o conceito absoluto, o Senhor, que é o Ser, toma a matéria-prima disforme, como um oleiro toma o barro. Este Arch-tecton toma a matéria livre mas limitada em sua forma e lhe expande dando-lhe a forma que representa sua providência : céu e terra; tempo e espaço.


Diante de nós, então, está a vida que se apresenta na matéria, enquanto prescinde dela. Mais do que isto: a vida se faz limitada pela matéria e anseia despir-se do corpo-prisão-da-alma. A psiquê, o conceito absoluto, o real imaterial, o positivo se dá diante do corpo/defunto, a materialidade inerte, o negativo. Na dialética gnóstico-hegelianismo a síntese nem é Deus, nem é o homem do pecado (aquele que se inclina aos desejos do defunto), mas a Igreja: corpo de Cristo.


Neste ponto podemos voltar a Sócrates e Paulo-gnostico. O movimento de um corpo que se deixa inclinar por desejos materiais, a liberdade da matéria informe, se volta ao caos violento da a cumulação de si, ou seja, volta à acumulação de matéria, da riqueza. É o humano que se volta à sua psiquê que se volta contra o acúmulo do material e encontra a sabedoria: o fundamento de toda virtude. Há um sentido, um propósito, um movimento necessário que a alma tem que fazer que tanto a liberta do acúmulo do material quanto a faz reencontrar a si mesma.


Após esta digressão podemos fazer retornar nossa alma ao caminho da reta epistemologia.


De um lado o saber absoluto, da sã razão produzida pela ciência do verdadeiro, conhecimento limitado apenas pelo Todo e Único; de outro lado a experiência vivida, tangível, material e empírica, rica em afetos, limitada ao imediato e livre como o caos e a desordem.


O conhecimento absoluto se derrama sobre a temporalidade e espacialidade da experiência vivida e sintetiza em uma experiência racional, numa vida do espírito, num saber do empírico.


O saber se vê diante da experiência espaço-temporal enquanto a empiria material se conhece e se amplia.


Neste movimento, aparentemente, tanto o saber absoluto se limita ao se dar no espaço e no tempo, como a experiência abdica de sua liberdade enquanto se deixa conformar pela realidade da razão. A liberdade se deixa constranger pelo conhecimento e o saber, supostamente, se adequaria às possibilidades do corpo informado.


Seria assim, de fato, se o corpo colonizado, que agora não mais é a matéria livre, mas um defunto habitado por um poder heterônomo que o obriga a dizer sim-senhor, se o corpo subjugado pela forma exterior que lhe constrange, também tivesse alterado o Todo.


O Todo permanece incólume é imutável. Transcendendo o espaço e o tempo, mantém-se em seu arque-projeto de assenhorear-se do que chama prisão. O corpo livre se torna prisioneiro de uma razão tirânica, a qual lhe impõe crescentemente o forma verdadeira de ser.


A falácia da construção dialética do saber-experiência se revela num projeto de poder absoluto da Razão Total sobre corpos adefuntados.


Como diz Julian Jaynes, a consciência, o saber que sabe é o poder violento que produz as mais satânicas guerrras. Se o amor ao acúmulo de bens materiais é o princípio de todos os males, podemos dizer que o Saber Absoluto, o Todo é o movimento de uma psiquê que acumula defuntos.




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